
Os últimos dois meses foram marcados por vários casos de gordofobia nas redes sociais. A gente sabe que os xingamentos e a falta de acesso, não são novidades para essas pessoas, mas um detalhe chamou a atenção: a proporção que os últimos acontecimentos tomaram através da mídia. É possível perceber que, aos poucos, o debate consegue furar a bolha e piadas ofensivas vão perdendo seu espaço.
Pati Quental foi a última vítima que teve seu caso viralizado. Em entevista à CAPRICHO, a influenciadora revelou que levou um susto quando soube que sua foto estava no perfil do humorista Léo Lins em tom de deboche e com uma série de comentários ofensivos. “Eu me senti violada, invadida e impotente como se não tivesse controle da situação. Foi uma exposição gratuita e violenta. Estavam me ridicularizando, me xingando e dizendo que eu merecia ouvir certas atrocidades por ser gorda”, relembra
Leonardo também foi o responsável pela publicação da foto de Bia Gremion, uma modelo plus size, no mês passado, lembra? “Na época, eu ajudei a denunciar e bloqueei o perfil por que não tinha o menor interesse em acompanhar, fiquei sabendo a minha foto quando uma amiga me ligou”, explica Pati. “Eu sou uma pessoa depressiva, então pra mim foi um baque muito grande. Eu tive um efeito paralisante, tive uma crise muito grande de ansiedade. Da primeira vez, quando o post caiu, fiquei aliviada, mas depois, quando voltou novamente, fiquei horas chorando. Parecia um pesadelo”.
Relembre outros casos
O influenciador Caio Revela, que acordou com a notícia de que estava morto, é um dos exemplos mais duros de como a gordofobia acontece nos dias de hoje. Além da notícia não ser verdadeira, a causa da suposta morte foi instantemente associada ao seu peso. “Ao mesmo tempo que foi muito difícil, principalmente por causa dos meus familiares, foi necessário chegar nesse nível. Tudo isso aconteceu por causa do ódio que existe ao corpo gordo. Meu tipo de conteúdo incomoda, mas estou falando sobre autoamor e acessibilidade. O que tem de errado nisso?”, questiona o ativista.
Amigo eles inventaram que o Caio Revela morreu só pra fazerem comentários gordofobicos, extremamente nojentos pic.twitter.com/OkxE65BRDQ
Continua após a publicidade— mat kda (@arcticmat) August 5, 2020
Se de um lado chegar nesse ponto foi complicado e dolorido, por outro, Caio entende que o debate conseguiu atingir novos níveis, como quando a pauta chegou na CNN, por exemplo. “É uma vontade de continuar pela certeza que o trabalho que eu produzo tem força, é potente e é necessário, junto com o medo de tudo isso afetar minha saúde mental. Meu objetivo, hoje, mais do que nunca é ampliar as conversas e dar voz as pessoas gordas. Todo esse trabalho é importante justamente por isso. Foi muito triste e tem sido muito difícil, eu ainda estou pensando, absorvendo, entendendo, principalmente por que ficou claro para mim que estavam tentando matando minha ideia. Poderia ser qualquer motivo, mas tentaram tirar a credibilidade da minha história e da minha luta“.
Caio ainda reflete uma dualidade que faz com essa insegurança e culpa cresça ainda mais nas pessoas. “Com a gordofobia você é vitima e culpado ao mesmo tempo: sou vítima por sofrer, mas sofro por ser gordo. Como vamos achar algo bonito se a gente não vê esse corpo? Por isso eu e outros criadores de conteúdos estamos aqui, a gente inspira e mostra que é possível. O corpo gordo é político, só pelo fato de eu postar algo nas redes, já gera um impacto, ocupo o espaço.
“Quem eu poderia ter sido se eu não tivesse perdido tanto tempo esperando ser algo?“, reflete o especialista em Moda. “Passar a vida toda se escondendo te impossibilita de se expressar, descobrir quem você é, o que acredita, por isso o processo de amor próprio é experimentar, se amar, tentar. É autoconhecimento, mas por outro lado, quanto mais eu tento, mais eu incomodo e parece virar um ciclo infinito“.
Essa não foi a primeira, nem a última vez que Caio sofreu algo parecido. Um pouco depois da fake news se espalhar pela internet, Danilo Gentili, que é conhecido por se envolver em polêmicas e piadas preconceituosas, fez graça da reportagem sobre gordofobia da CNN em que o influenciador apareceu com a jornalista Alexandra Gurgel e, inclusive, alguns dias antes o apresentador defendeu Léo Lins, seu colega de programa.
— Infos Famosos (@InfosFamosos) September 4, 2020
Eu diria mais: o @LeoLins falar que uma gorda é gorda ou eu fazer P I A D A que Bruna Marquezini é magra trouxe mais escândalo para toda classe jornalística e ganhou mais manchete e cancelamento do pessoal do bem do que youtuber pedindo foto de criança pra bater punheta. https://t.co/M3nYrYwTQd
Continua após a publicidade— Danilo Gentili (@DaniloGentili) July 31, 2020
A Mel Soares, conhecida como Relaxa aí, Fofa, sabe bem o que é incomodar. A influenciadora teve uma das suas publicações apagada pela plataforma do Instagram. Na imagem, ela aparece nua, porém sem exibir nenhuma parte íntima que poderia ter sido vetada pela rede social. “A pior parte é entender que isso aconteceu pelo fato de eu ser gorda. Nosso corpo sempre é marginalizado e discriminado, ainda mais o meu por ser negra. As pessoas não querem nos ver falando sobre bem estar e felicidade“, desabafa em entrevista à CH. “Quando é uma mulher magra, isso é aceito e normatizado. O mundo diz que não podemos ser estilosas, felizes, amadas. Eles esperam que a gente seja desleixada, triste, desanimada e quando alguém prova ao contrario, isso assusta, mas eles precisam entender que ser gorda é apenas mais uma das minhas características, isso não me define“.
View this post on InstagramContinua após a publicidadeA post shared by MEL SOARES | FAT FASHION (@relaxaaifofa) on Jul 21, 2020 at 5:50am PDT
Apesar da situação ter sido chata, a repercussão positiva foi um incentivo não só para o seu trabalho, mas também para outras meninas que estão na jornada de autoaceitação. “A força da união feminina foi muito forte, chegaram quase 50 mil seguidoras nova. Eu fiquei assustada, mas ao mesmo tempo muito feliz. Eu já acreditava no potencial do meu trabalho, mas hoje tenho ainda mais garra e confiança em mim mesma“, garantiu Mel. “Pessoas como o Léo Lins são fáceis de ser ouvidas por que ele é um cara, branco, famoso, padrão. A sociedade é totalmente preconceituosa e racista. Ele sabe que esse tipo de conteúdo dá audiência e por isso faz. Quando tem racismo, as pessoas ainda param para refletir, mas se a piada é sobre gordo, as pessoas acham normal”.
Como isso pode afetar alguém?
Quando falamos que gordofobia não é piada, precisa ficar muito claro que esses comentários, que podem parecer inofensivos para alguns, podem causar sequelas muito graves na vida de alguém. De acordo com a psicologa clínica especialista em Análise do Comportamento Thatiani Melanda, o termo gordofobia, em seu sentido literal, significa aversão à gordura que, na nossa sociedade, pode vir a ser manifestada tanto pelo pavor de engordar, quanto pelo desprezo com as pessoas gordas – que é feito por intermédio de violência verbal, física, moral ou psicológica. “Esse tipo de postura faz com que, muitas vezes, a pessoa gorda enfrente discriminação no trabalho, nos serviços de saúde e na vida afetivo sexual, pois têm sua imagem vinculada a improdutividade, lentidão, ineficiência, preguiça e, em algum casos, relacionam a maus hábitos de higiene corporal”.
É claro que cada caso é único e cada pessoa irá lidar de uma forma, mas é muito comum que essas situações sirvam de gatilhos emocionais para quem ainda não está confortável com seu corpo. “Todo gatilho funciona como um estímulo que acontece no ambiente e vai conectar a pessoa a uma situação marcante de sua vida ativando lembranças, que podem ser positivas ou negativas e podendo, inclusive, fazer a pessoa se conectar com traumas“, explica a Thatiani. “Quando ativado um gatilho pode gerar raiva, tristeza, ansiedade, estresse, perda de controle, culpa, sensação de vazio dentre outras coisas. Uma vez que não é possível evitar a exposição aos gatilhos no dia a dia, o melhor é conhecer e entender como eles funcionam. Esse processo, que nem sempre é fácil, geralmente é feito dentro de um processo de autoconhecimento viabilizado pela psicoterapia”.
Infelizmente, o período atual que estamos vivendo, por conta do isolamento social causado pelo coronavírus, faz com que os problemas se tornem ainda mais greve. “Por estarmos restritos ao contato com pessoas queridas, estarmos privados de nossa liberdade e em um “estado de alerta”, afinal, o período em si já é caracterizado por uma condição de estresse que pode afetar nossa saúde mental, nossos sentimentos podem ficar ainda mais aflorados, inclusive, acabar desenvolver quadros de ansiedade e depressão”, aponta a especialista.
Se levamos algum aprendizado disso tudo, é que gordofobia não é, nunca foi e nunca será piada! A internet, apesar de muitos pensarem que sim, não é “terra de ninguém”. Existem leis, regras e mesmo que algumas pessoas ainda usem perfis fakes para espalhar o ódio, os movimentos contra esse tipo de ação tem crescido. Não há mais espaço para bullying e preconceito, principalmente aqueles que vem disfarçados de opinião.